Com o título “Problema bom é problema grande”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda sobre a importância de se ter problemas para resolver ou não, entre algumas neuras da modernidade. Confira:
Os problemas fazem parte da nossa vida assim como o ar que respiramos. Acho que a única lógica de passar o ensino médio inteiro – e parte do básico – procurando o “x” ao tentar resolver enigmas matemáticos é a de nos preparar psicologicamente para situações que vamos encontrar ao longo da nossa existência. Leminski já dizia: “no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto (…), mas problemas têm família grande, e aos domingos saem todos para passear: o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas”. Mas existem problemas e problemas.
Há um dito árabe que ensina: “se teu problema tem solução, por que se preocupar? E se teu problema não tem solução, por que se preocupar?”. Admitindo, porém, que este princípio “zen” não condiz com a natureza estressada dos cidadãos ocidentais, acredito que é melhor adotar uma postura mais realista. A tese que quero defender aqui é a de que, partindo do pressuposto que nossos problemas são inevitáveis, que saibamos refletir e escolher com os quais realmente precisamos nos entreter.
O que mais detesto são os pequenos problemas. O carro que não liga. A impressora que não funciona. O computador com vírus. O exu-tranca-rua que estaciona em fila dupla ao deixarmos os filhos na escola. A água que falta na hora de tomar banho. O caixa-eletrônico do banco que engole seu cartão. O sinal de TV que some na hora do jogo. A ligação do celular que nunca completa. Em suma, aquilo que deveria estar funcionando perfeitamente. Este tipo de coisa só serve para nos atormentar a paciência e testar nossa tolerância.
Acho que problema bom é problema grande. Aqueles que comprometem nossa existência: dores de amores, desemprego, poucos recursos, conflitos familiares, doenças de entes queridos, vitórias e derrotas no trabalho, perspectivas de vida e carreira. Neste caso, a primeira e mais adequada distinção é verificar o que podemos ou não resolver.
Caso independa de nosso esforço, isso deveria ser um peso a menos. Claro que, em situações específicas, o sentimento de impotência é arrasador. Mas o desespero pode ser aos poucos confortado justamente por termos consciência de que nada podemos fazer. Escolher os abacaxis que serão descascados com nosso esforço aumentará em nós a autoconfiança e a sensação de realização. Embaixo da casca, a fruta pode ser doce. E superar dificuldades nos torna mais fortes, experientes e sábios.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.