Com o título “Por Christian e Julio César”, eis artigo do jornalista Fábio campos, no O POVO desta quinta-feira. Ele aborda a violência contra nossas crianças e adolescentes que, pelo visto, não mexe mais com a sensibilidade de nossa sociedade e, principalmente, com nossas ditas autoridades responsáveis. Confira:
Tão assustador quanto a violência é a maneira como a encaramos. A brutalidade passou a compor o nosso dia a dia. A capacidade de indignar-se está diluída. É fluida. Ou melhor, com a violência disseminada, passamos a selecionar os casos que nos provocam a indignação pessoal. E nossas escolhas se dão pelas afinidades sociais.
Já não há indignações disponíveis e solidárias para uma criança de seis anos que levou um balaço na cabeça no domingo passado. O pequeno chamava-se Cristian Diego Costa Sabino. A bala o atingiu em cheio. Rua da Glória, no Planalto Ayrton Sena. Território muito pobre dominado por gangues.
No dia 12 de fevereiro passado, uma quarta-feira, outra criança foi alvo das balas que a crônica policial se acostumou a chamar de “perdidas”. O caso ocorreu na Barra do Ceará. O menino Júlio César tinha apenas três anos. Sem um tostão furado para realizar o enterro, a família deixou o corpo de Júlio na geladeira da Perícia Forense até que chegasse o “auxílio funerário”.
Segunda-feira passada, avenida Pimentel Gomes, na gloriosa United States of Sobral, a princesa do Norte. Uma criança de nome e idade que não consegui apurar recebeu um balaço que lhe estorou o peito. Foi levada para a Santa Casa. Não sei se ainda está viva. Rogo que sim.
Os dois primeiros casos ainda foram parar no rodapé dos jornais. Os programas policiais de TV, gigolôs que exploram o ramo da violência, trataram cada assassinato como outro qualquer. Mais um entre os sete ou oito que acontecem todos os dias na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. 15 diários no Estado. Viu-se apenas o choro contido e acostumado dos familiares. Nos programas vindouros, novos casos, novos mortos. Outros choros.
Avalia-se que pelo menos três crianças sejam assassinadas a cada mês em Fortaleza. São todas muito pobres. Não fossem paupérrimas, nos emocionaríamos com seus rostos, choraríamos com os vídeos familiares, saberíamos quem eram seus pais, conheceríamos suas vidas e teríamos ouvido o intenso clamor que desaguaria numa passeata convocada via redes sociais.
É assustador quando o assassinato de crianças deixa de gerar comoção. A violência está banalizada. A vida e a morte também. Tenho a convicção de que, tivessem ocorrido no Rio de Janeiro, os casos citados acima teriam provocado imensa repercussão. Há algo de muito errado por aqui.
Entre nós, as autoridades fazem de conta que essas coisas não lhes dizem respeito. Não há comentários. Não há perguntas. Não há respostas. O rotundo silêncio. As três crianças vão apenas compor as estatísticas. Já viraram frios números entre as centenas de mortos mensais. Sim, encostamos o pé no fundo do poço lamacento e escuro.
Quase oitocentos assassinados contabilizados oficialmente na “Terra da Luz” SOMENTE NOS DOIS PRIMEIROS MESES DE 2014. Homicídios a rodo. Entre eles, dezenas de adolescentes mortos por outros adolescentes, que serão mortos por outros marmanjos teens. Eles são a mão de obra ideal para os crimes. Não serão nem sequer julgados. A vida não tem mesmo valor.
No entanto, a praça e o binário mobilizam. Não que as questões urbanísticas não mereçam a atenção. Pelo contrário. Merecem. E muito. O problema é que a morte de centenas com suas famílias destroçadas não gera o mesmo envolvimento e clamor da sociedade e dos governantes. A nossa estrutura social e política está carcomida. Muito doente.