
Eis crônica diária do jornalista e radialista Narcélio Limaverde sobre fatos e coisas que marcaram Fortaleza e sua infância, o que se confunde com a história desta cidade de Nossa Senhora da Assunção:
Outro dia eu estava pensando, assuntando sobre as coisas antigas da Igreja Católica Apostólica Romana, religião dos meus pais e que eu seguia religiosamente. Por sinal fui coroinha, ou acólito, ou ainda, sacristão da Igreja de São Benedito, conhecida também como Santuário da Adoração Perpetua, comandada pelos Padres Sacramentinos, todos holandeses e que chegaram na rua do Imperador, onde estava a Igreja sem saber patavina de português.
Certo dia uma empregada lá de casa, a Mazé,voltou chorando depois de se confessar com o padre Guilherme, um santo homem, diziam todos. “O que houve, Mazé?!” – perguntou dona Ledinha, minha mãe. “Eu disse para o padre que tinha protestado e ele me ameaçou de excomunhão.” O reverendo pensava que protestar era palavrão, ou nome imoral, como se dizia naquele tempo. A Igreja de São Benedito promovia todos os anos a Semana Eucarística.
Começava as sete, ou dezenove horas, com o canto do Tantum Ergum, preparando para a benção do Santíssimo. E tudo terminava com animadas quermesses, com direito a brigas dos seguidores das rainhas dos partidos Azul e Encarnado. Tudo concluía com o leilão cantado por meu pai: “Vou entregar!”. E gritavam lá da casa de dona Sinhá Pordeus: “100 pro Batelão não levar!”. Batelão morava vizinho. E respondia: “200 para o Heitor Marinho não levar a galinha assada com farofa pra casa”…. Era assim o leilão. No domingo acontecia a procissão. Eu torcendo para ser o turiferário, levando o turíbuclo com muito incenso em direção ao brotaral, mesmo depois de reclamação do Padre Pedro, o superior.
O cortejo era comandado por Dom Antonio de Almeida Lustosa. À sua passagem, as beatas gritavam: “É um santo, é um santo!!”. Dom Antonio, a exemplo de seu antecessor, dom Manuel da Silva Gomes, não conversava com ninguém. Mantinha sua posição de arcebispo sem falar, sempre rezando e rezando. E quem quer que tivesse a ousadia de chegar perto, teria de beijar seu vistoso anelzão de pedra preciosa; E se dom Manuel tinha vestes lindíssimas, ele seguia mesma moda. Todos nós respeitávamos e se alguém não seguisse os ensinamentos dos pais, na minha casa, dona Ledinha e seu Limaverde, receberíamos castigos. Depois de Dom Antonio assumiu o arcebispado, dom José de Medeiros Delgado. Ele parecia mais simples e bom comerciante, pois vendeu o Palácio. Após ele, então, conhecemos um religioso sério, porém bem perto de seu rebanho. Dom Aloísio Lorscheider.
Este era popular, atendia telefonemas dos jornalistas e participava de todos os acontecimentos da cidade, mediando inclusive os conflitos, como o dos professores, com greve de fome na Secretaria de Educação, na rua Tibúrcio Cavalcante. Quando houve aquele trágico desastre na serra da Aratanha, em Pacatuba, onde morreram muitos cearenses queridos, incluindo o empresário Edson Queiroz, fui até a serra e encontrei Dom Aloísio dirigindo seu Fusquinha e apaziguando, consolando os familiares desesperados com o acontecido. Foi ele que conseguiu um sepultamento coletivo no Parque da Paz.
Depois de Dom Alosio, dom Cláudio Hummes e, após este, o atual, Dom José Antonio. Retornou então o ritual antigo – a dificuldade de se falar com o antistite – bispo antigamente. E vou pensando tudo isso enquanto via o Papa Francisco segurando uma maletinha e entrando no avião que o conduziu ao Rio de Janeiro, onde aconteceu aquela festa. O Papa Francisco não admitiu distancia do povão, beijava as crianças e dava a mão para os que chegavam mais próximos. Usou até um ditado nosso: “Bota mais água no feijão!”. E um chargista chegou até a escrever que o Papa pediu para abrir a porta do avião em pleno voo”. Brincadeiras à parte, o Papa disse que os bispos não tivessem posição de príncipes, que os padres fossem para as favelas, que ficassem bem perto dos pobres. Aí fico pensando. Será que as cousas realmente vão se modificar e os padres da Igreja Católica cearense, com as honrosas exceções, vão ficar num pedestal, cada vez mais longe dos seus fiéis?
O Papa Francisco não somente disse o que deveria ser feito, mas fez e deu o exemplo. Outro bispo antigo, dom Helder Câmara, o “Santo Dom Helder”, assim como dom Aloísio, dizia, em outras palavras, mas com o mesmo significado: ” O importante não é mandar fazer, o importante é dar o exemplo.
* Narcélio Limaverde,
Jornalista e radialista.