Com o título “Obrigado FIFA”, eis artigo que o sociólogo Geraldo Accioly manda para o Blog. Ele aborda o legado da Copa do Mundo e as manifestações de rua que cobraram qualidade também nos serviços e obras do interesse público. Confira:
O título não é acidental. É uma doce provocação para um sólido debate. A FIFA não convidou o Brasil para sediar a Copa de 2014. A disputa para sediar a Copa e as Olimpíadas é acirradíssima. É bom lembrar, o envolvimento direto do Lula e do Obama para trazer as Olimpíadas de 2016 para seus respectivos países. Quando a FIFA anunciou o Brasil para sediar a Copa de 2014, foi uma celebração nacional. Nem um pio desfavorável da imprensa, oposição, situação, CNBB, OAB, ou qualquer outro segmento social; pelo menos, que eu tenha tomado conhecimento. Os contratos da FIFA com os entes federativos brasileiros (governo federal, governos estaduais e prefeituras municipais) são redigidos em inglês, com cópia traduzida para o português. Todos sabiam o que estavam assinando. Todos esses contratos foram enviados pelo poder executivo, para os organismos de controle externo da república, dos estados e dos municípios.
Posteriormente deputados federais, deputados estaduais e vereadores dos governos e cidades-sede, votaram em suas respectivas instâncias um pacote de leis: 1. Lei Geral da Copa, pela Câmara Federal; 2. Adequação e revogação de leis estaduais, como foi o caso de permitir bebida alcoólica nos estádios de futebol; 3. Leis votadas nas Câmaras Municipais de pacotes de renúncia fiscal de ISS-Imposto Sobre Serviços- beneficiando a FIFA e seus parceiros. Seria bom os analistas de plantão se debruçarem sobre o placard dessas votações quando muitos, agora, se mostram totalmente contrários a Copa. Cá entre nós, foi gente demais envolvida nesse processo. Quem se esgoelou forte contra a Copa? Não sei e nem me lembro. As primeiras manifestações anti-Copa surgiram a partir dos movimentos sociais organizados e preocupados, corretamente, com o destino das famílias que seriam desapropriadas devido as obras de mobilidade urbana.
A FIFA sempre foi extremamente transparente sobre a sua voracidade de piranha para lucrar financeiramente. A FIFA é uma empresa. Em 2010, em Joannesburgo, antes da Copa da África do Sul, a FIFA promoveu um seminário onde foram convidados governadores, prefeitos e seus representantes, dos Estados e Cidades-sede, para explicar detalhadamente as normas e os procedimentos que a FIFA exigia para a Copa no Brasil. Naquela época já se sabia que o torcedor que fosse a Fonte Nova, na Bahia, não ia comer acarajé dentro do Estádio. O Mc Donalds não tem esse currículo. Foi guerra em Joanesburgo, pois os ambulantes não aceitaram serem expurgados e conseguiram ficar dentro de uma área próxima ao estádio, que funcionava como corredor de acesso aos torcedores, onde acabaram vendendo suas comidas típicas. A FIFA nunca escondeu essa situação. Dizia que as cotas de patrocínio eram altíssimas e que tinha de preservar os direitos de seus clientes. Isto não é novidade, chama-se capitalismo.
Em síntese, do ponto de vista do mérito, nós (o país) buscamos e lutamos pela Copa. Pessoalmente, fui e continuo a favor da realização da Copa no Brasil. Não se pode negar a força planetária do futebol, em especial no Brasil. Tinha muita gente protestando contra a FIFA e o governo nas manifestações, mas com um fone de ouvido acompanhando os jogos do Brasil. Incoerência? Claro que não. O amor ao país não exclui o direito de exercer o protesto. O chamado “Padrão Fifa” de qualidade dos estádios, despertou na população um sentimento de revolta. Lindo o Maracanã, mas o Hospital Souza Aguiar expulsando pacientes sem atendimento. Como se reformar ou construir estádios com rapidez e não se fazer passarelas nas BRs ou nas vias de circulação rápida? É muito caro? Qual o conceito de caro de agora em diante? O “Padrão FIFA” empurrou a população para uma apreensão pedagógica da realidade de forma rápida, despachando para trás o desgastado “rolando lero” da grande maioria da classe política. Ela mesma fez as contas, somou, dividiu, multiplicou e viu um negativo de muito cimento e pouco serviço prestado e pior, de qualidade ruim, sobretudo na saúde e educação.
Mais ainda. Foi para as ruas sem pedir permissão aos partidos de esquerda ou ao mundo sindical e ainda colocou o futebol no seu canto. Futebol é lazer não me venham com aparelhamento político fazer marketing com seus papagaios de pirata. Nunca se viu tanto político correndo de câmeras nos estádios e implorando aos santos para não serem citados. Cabe à sociedade brasileira enfrentar a situação. Tomar chá de cabeça de avestruz é o pior caminho. Não devemos ter vergonha de dizer quanto investimos nas obras e serviços para a Copa. O melhor antibiótico é a transparência.
Na próxima semana, tratarei dos efeitos positivos da Copa, comparando com outros países e explicando por que a Europa, na sua enorme crise econômica, torce por uma desgraça no Brasil para levar a Copa para um de seus países. A Copa será no Brasil… Provocando: a FIFA acordou o gigante.
* Geraldo Accioly,
Filósofo e Mestre em Sociologia
geraldoaccioly@yahoo.com.br