O sociólogo e professor Pedro Albuquerque manda artigo para o Blog contestando declaração do deputado federal Eudes Xavier (PT) sobre as eleições em Fortaleza. Eudes afirma que a vitória de Roberto Cláudio para prefeito foi a “vitoria dos ricos”. Pedro Albuquerque considera tal afirmação um equívoco, assim como a estratégia do PT que tentou dividir a cidade entre ricos e pobres na disputa recente. Confira:
A avaliação do atuante deputado federal Eudes Xavier, data vênia, está equivocada. É uma opinião sem fundamento na realidade dos fatos. A maioria dos pobres votou então no candidato dos ricos? Roberto Claudio ganhou em todos os estratos, nos estratos pobres, de classe média e ricos. Ademais, dividir a cidade entre ricos e pobres e se utilizar desse discurso dicotômico de falso cunho pastoral com objetivos eleitoreiros foi uma estratégia que não deu certo para o candidato Elmano de Freitas.
O prefeito de uma cidade deve governá-la para a população tal como ela é estratificada socialmente, mas na perspectiva de sua integração, pelo menos, em espaços de convivialidade. Recife, por exemplo, é uma cidade de profunda desigualdade social, no entanto, ricos e pobres têm oportunidades de integração quer nos parques da cidade que lá são muitos e por aqui são escassos(nossa cultura é de praça e praça de pobre imaginação arquitetônica, paisagística e espacial), quer nos festejos que marcam culturalmente a cidade, como no carnaval e na festa de sua padroeira, quer no sentimento de igual pertencimento à cidade.
O prefeito de Fortaleza deve pensar na perspectiva dessa integração e não no alargamento dessa apartação. Por outro lado, e de modo dialético, o prefeito não pode desconsiderar a gritante e injusta desigualdade social que caracteriza nossa cidade. Daí porque seu plano de governo deve estabelecer políticas prioritárias em favor das populações mais pobres que, a despeito da pobreza, são populações geradoras de imensa riqueza, pois esta não floresce sem a força de trabalho.
Além disso, vem dessas populações a capacidade criativa e imaginativa no campo cultural. Nossos cantores e cantoras, nossos artistas, nossos palhaços e humoristas, nossos atletas, muitos de nossos pensadores e lideranças políticas são originários dessas chamadas populações periféricas, que são periféricas do ponto de vista econômico, mas não o são do ponto de vista da cultura.
Na esteira dessa compreensão, o prefeito de Fortaleza não pode assumir o discurso demagógico, de falso cunho pastoral, de governar para «o povo simples» contra os ricos. A consequência desse discurso manipulador é a assunção de outro discurso atrasado, também de cunho proselitista, qual seja o do “cuidar das pessoas”. Daí porque o governo da democracia socialista (DS) em Fortaleza, ao invés de dar prioridade à transformação da escola e da educação (escola de tempo integral como seu carro-chefe), preferiu o caminho fácil de tratar com pobreza os pobres das escolas públicas, através da dádiva da mochila, da agenda escolar, do fardamento, do tênis.
Vem, também, desse viés eleitoreiro, a entrega das direções de escolas, assim como dos postos de saúde, às chamadas “grades” de vereadores e de pessoas próximas ao círculo do poder. Esse perverso mecanismo clientelista permitiu que as direções dessas unidades de serviço público, ao invés de obedecerem a critérios de mérito, se subordinaram à vontade eleitoreira da mais reles politicagem.
A escola de tempo integral não exclui a entrega aos seus estudantes daqueles apetrechos necessários repassados pela Prefeita, mas ficar apenas nestes,é usar a escola como mero instrumento de manutenção do poder, o que é reforçado com a nomeação clientelística de seus diretores e diretoras.
A grande maioria do povo pobre de Fortaleza (Roberto Cláudio venceu em 71 bairros da cidade, enquanto Elmano de Freitas venceu apenas em 26), não gostou de ser chamado e tratado de “povo simples”, até porque não gosta da pobreza e a economia do país lhes proporcionou a elevação de sua autoestima e do patamar de sua aspiração social.
Em respeito a essa população e consciente de sua nova realidade, o prefeito não pode dar tratamento pobre aos pobres, até porque os pobres são portadores e criadores de riqueza e possuem gostos, desejos e prazeres sofisticados. A indústria da pirataria é uma prova disso. O governante da cidade deve, isso sim, tratar diferentemente (prioritariamente) os desiguais, mas com políticas ricas e não pobres, ou seja, que combinem políticas sociais compensatórias com políticas estruturais emancipadoras, tendentes, estas, a tornar dispensável ou residual a necessidade daquelas.
* Pedro Albuquerque,
Professor e sociólogo.