Com o título “Chacina de Milagres”, eis artigo de Herton Ferreira Cabral, promotor de justiça. Ele aborda o episódio do ataque a dois bancos na cidade de Milagres, que resultou, do confronto entre bandidos e polícia, na morte de 14 pessoas, sendo seis reféns. Confira:
Uma tragédia de imensas proporções atingiu, de forma inesperada, nossa sociedade na antevéspera deste Natal. Na pequena Milagres, sul do Ceará, seis pessoas de duas famílias em viagem de férias, colocados por delinquentes no palco sinistro da morte, tombaram atingidas por uma saraivada de balas.
Os mortos não falam, mas é fácil perceber que os criminosos não matariam os reféns inutilmente antes de tentar trocá-los pela liberdade. A Polícia emudeceu sem esclarecer sobre o que, de fato, ocorreu naquela madrugada. Contudo, as perguntas são muitas; as respostas poucas, inconsistentes, confusas. As autoridades asseguram o cumprimento fiel dos ritos e prazos processuais, mas isso por si só não basta.
Diante do desastre reconhecido, as providências anunciadas embora necessárias, são insuficientes. Ninguém falou em medidas profiláticas e preventivas para evitar futuras ações policiais inconsequentes. Nessa história, todo mundo saiu chamuscado; só o banco manteve incólume o patrimônio.
É evidente que a atual prioridade da força policial é combater a criminalidade a qualquer preço. Para isso, recebe um grau elevado de autonomia que cheira até impunidade. Escolhe alvos, decide onde, quando e como realizar suas operações a sua maneira. Não se almeja uma polícia manietada em sua atividade, mas é imperativo um controle em ações de maior complexidade.
Integração entre forças policiais, existência de cadeia de comando clara, quantificação de meios humanos e materiais, previsão de medidas para conter riscos e presença de um negociador na cena são boas e imprescindíveis conselheiras em operações dessa natureza. Outra é não confiar no improviso e só no poder desmedido das armas.
Isso reclama ações propositivas e resolutivas que evitem a repetição de fatos injustos. Além da instauração de inquéritos, pedido de desculpa e afastamento de policiais, urge rápida e justa indenização às famílias. Mas reclama também que a força policial institua e observe um protocolo contemplando planejamento, organização, liderança, meios humanos, controle de armas e veículos, meios para contenção de danos, negociador habilitado e avaliação do resultado. Sem isso, é esperar onde o próximo drama vai desenrolar.
*Herton Ferreira Cabral
hertoncabral@mpce.mp.br
Promotor de Justiça.