Eis artigo da professora Sandra Helena de Souza, da Filosofia e Ética da Univesidae de Fortaleza. Com o título “Corruptos anônimos”, ela anaisa o comportamento dos políticos cearenses diante do “Escândalo dos banheiros”. Confira:
Todos que já passaram por minhas salas de aula, e mesmo os que me conhecem fora dela, sabem que sou intransigente com o esporte nacional de achincalhar políticos e gestores públicos através da cantilena da corrupção. Considero a atividade política em suas variadas formas edificante sob qualquer perspectiva. Sem ingenuidade alguma sei que a corrupção é uma prática humana que assola todas as profissões, em maior ou menor escala, e que corrói o exercício cotidiano da cidadania. Mas não é prerrogativa de nenhum tipo especial de seres humanos ou geografias.
No caso da corrupção política, numa sociedade democrática, insisto: ela existe com nossa conivência, omissão e locupletação. Ponto. Meu rádio sintoniza alternadamente as FMs Senado, Assembleia e Fortaleza. Enfim, gosto do troço, dos debates, das artimanhas, da dedicação, das disputas, dos apartes, dos elogios, dos barracos e, sobretudo, de aprender a difícil arte de separar o joio do trigo nessa seara.
Político que se preza não esconde que quer poder. Somos nós que temos que apurar razão e sensibilidade para impedi-lo ou apoiá-lo. Já me equivoquei e acertei, como todos. Entendo assim a cultura política.
Bom, dito isso, vamos lá. A desfaçatez de se apropriar de um Fundo de Combate à Pobreza, voltado para a mais civilizada das práticas humanas que é a higienização de nossos dejetos, tudo isso com a participação presumida do presidente da Corte que fiscaliza o uso desses recursos, seguido de desmentidos, de “não tenho nada a ver com isso”, “não conhecia a lei”, “vou me empenhar pessoalmente”, “assinei porque recomendaram”, “não há ilegalidades”, “é impossível controlar todos os convênios”, etc, etc, tudo contaminando não só pessoas, mas a própria cadeia da institucionalidade, já é um pouco demais. O melhor, ou pior, é a fala do chefe de gabinete do governador, citada nesse jornal: “se houver culpados haverá punição, doa a quem doer”. Como assim, “se houver”? Há possibilidades de não haver?
Penso que pessoas envolvidas nisso deveriam ser tratadas como os dependentes químicos. Primeiro levá-las a admitir suas faltas, pedir a rehab e ouvi-las para nos proteger da doença em nós. Trata-se de mentes doentias, criminosas mesmo. Cobras engravatadas desprovidas do mais primitivo dos afetos morais: a vergonha. Ninguém é culpado, nem se sente constrangido. Ninguém admite o erro mesmo que ele salte à vista e todos, todos, saibam do que se trata. Ninguém pede desculpas públicas.
E nós, o que fazemos? Por que não nos indignamos pra valer? Não creio que seja porque se trata de pobres. É mais que isso. É que faz parte da nossa cultura, não é? Estou seriamente pensando em fundar uma Associação para dar aulas de filosofia política aos pobres. Agora terei que esperar dois anos para pedir recursos. Ah, mas quem sabe daqui pra lá outro secretário desconheça a lei ou tenha uma assessoria jurídica incompetente. Francamente. Levo papel higiênico, por garantia.
* Sandra Helena de Souza
Professora de Filosofia e Ética da Universidade de Fortaleza
sandraelena@uol.com.br