Com o título “Bloqueadores não interrompem rede de dados e não resolverão criminalidade no Ceará”, eis a Coluna do jornalista Thiago Paiva, no O POVO desta segunda-feira. Confira:
Por óbvio, a instalação de aparelhos bloqueadores de sinal de celular nos presídios do Ceará não resolveria o problema da criminalidade no Estado, que tem raízes muito mais profundas. O que ainda não foi dito sobre essa temática, porém, é que o sistema também não cumpriria aquilo que dele se espera: acabar com o alto poder de comunicação dos internos do sistema prisional cearense.
Isso por conta de um detalhe importante e desconhecido pela opinião pública: os equipamentos não bloqueiam as redes de dados. Significa dizer, na prática, que os presos não conseguiriam efetuar chamadas convencionais de seus aparelhos, mas as ligações por meio de aplicativos de rede social, como o WhatsApp, utilizando a internet, estariam “liberadas”.
As informações são do secretário da Justiça e da Cidadania (Sejuc) do Rio Grande do Norte, Luís Mauro de Albuquerque, 49. “O ruim do bloqueador é que ele tem uma falha: os dados você consegue transmitir. E eu desconheço que exista tecnologia para bloquear dados, no Brasil ou fora dele”, disse Mauro, em conversa com a coluna.
“O ruim do bloqueador é que ele tem uma falha: os dados você consegue transmitir. E eu desconheço que exista tecnologia para bloquear dados”
Agente de custódia da Polícia Civil do Distrito Federal, o secretário assumiu o sistema prisional potiguar após a crise de janeiro de 2017, quando 26 presos foram mortos, durante rebelião, no presídio de Alcaçuz, na cidade de Nísia Floresta. À época, a Sejuc já utilizava bloqueadores em suas penitenciárias.
Os equipamentos foram adquiridos sem custo de instalação. Apenas o aluguel mensal das máquinas é cobrado: em grandes unidades, aproximadamente, R$ 60 mil. Nas cadeias públicas, menores, R$ 30 mil. O bloqueio é feito por quadrante, com o uso de antenas, afetando somente a unidade prisional. Sinais de rádio de comunicação também têm o sinal suprimido, mas a rede wi-fi continua operante.
Entretanto, em Alcaçuz, os bloqueadores, destruídos durante a rebelião, jamais foram reparados. Mesmo assim, segundo Mauro, nunca mais foram encontrados celulares no interior do prédio. A repressão à comunicação irregular dos detentos é feita por outros métodos, chamados de “procedimentos de rotina”. “Revista e controle total da unidade. O agente está sempre lá dentro. Se o preso sai para o banho de sol, é revistado. Quando volta, é revistado. Sai da cela, é revistado. Volta para a cela, é revistado. Enquanto está no pátio, no banho de sol, a cela também é revistada”, explica.
Mauro diz que a comprovação da inexistência de aparelhos no prédio é feita eletronicamente, com uso de aparelho específico, capaz de localizar os celulares dentro das celas. Nesse cenário, considera a confiança nos agentes um fator determinante. “Não adianta ter aparelhos de Raios-X se quem vê é cego”, prega. Os procedimentos também permitiram que não fosse necessário separar membros de facção por presídio. “Aqui, tenho duas facções dentro da mesma unidade. Muitas vezes sou criticado por isso. Acham arriscado, mas temos controle total, durante 24 horas, e separamos por alas. Não dou espaço para o preso. O espaço que ele ocupa é do Estado e ele vai para onde o Estado determinar”, defende.
Contudo, apesar das falhas, Mauro recomenda a instalação de bloqueadores nos presídios cearenses, como forma de “enfrentamento à dinâmica de atuação do crime dito organizado”. O secretário conhece o cenário do Ceará, pois coordenou a Força de Intervenção Penitenciária Integrada (Fipi), do Ministério da Justiça, que atuou no Estado, em maio de 2016, após a greve dos agentes penitenciários, quando 14 detentos morreram.
“Os bloqueadores descapitalizam as facções no sistema, que funciona como um cofre para os líderes, que têm um exército de escravos explorados. Ele funciona como uma pirâmide: quem está em cima se dá bem, quem está embaixo é explorado”, diz. Cita ainda os golpes aplicados por ligação telefônica convencional como justificativa. Mauro aponta, porém, alternativas mais efetivas para cessar ou reduzir a comunicação dos presos. Para além dos procedimentos e uso de equipamentos eletrônicos já mencionados, propõe uma parceria com as operadoras de telefonia.
“Elas poderiam indicar os números que operam ali, na área dos presídios. Nós daríamos um cadastro verde para elas, com os telefones dos agentes e servidores que estão no local, e ela nos dariam um cadastro vermelho, com a localização dos celulares que seriam dos presos, para a gente ir atrás”, propõe.
O secretário conclui que a medida anularia até mesmo a necessidade de uso dos bloqueadores. “Seria bem mais eficiente, já que os bloqueadores não funcionam com a rede de dados. E se eu soubesse onde os celulares estão, iria só buscar na cela. Bloquear tem um custo. Já essa tecnologia (da localização) existe, não é física e a empresa não teria custo algum. E como se trata de uma área de segurança, não teria o problema da quebra de sigilo ou ilicitude”, encerra.