Com o título “Do Crime contra a Democracia”, eis artigo do advogado e professor Irapuan Diniz de Aguiar. Um brado em nome das liberdades. Confia:
Já ouve quem escrevesse – e é sempre bom repetir -, que a melhor das ditaduras jamais se iguala à pior das democracias. Isso porque somente no regime democrático se permite, por todos os meios, a defesa da vida e da liberdade. E a história, que é ciência, registra e prova o perecimento dos direitos nos regimes despóticos. Não é à toa, por isso, que os primeiros alvos dos adeptos da disciplina irracional e do cerceamento das garantias individuais, nos governos ditatoriais, fechados ou centralizados, sejam as pessoas
preocupadas com o bem da coletividade e defensoras do primado da lei e da
justiça. Assim, convém não deixar brechas aos eventuais inimigos da sociedade
que, alegando defendê-la, em verdade, queiram dominá-la.
Andou bem o constituinte de 1988 ao estabelecer na Constituição Federal que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (art. 5º, inc. XLVI). Mas fica evidente que o texto, por si só, não oferece qualquer influência intimidativa aos espíritos retrógrados,
contrários a democracia, propensos a pisar sobre a Carta Magna e os direitos individuais. E não adianta correr atrás do prejuízo, com argumentações filosóficas, diante dos saudosistas da “lei da força” e dos senhores da vida e da morte! Por que ainda não há lei tipificando o “crime contra a ordem constitucional e o regime democrático”?
Os juristas sabem que, se não houver lei penal abrangendo certa conduta como criminosa, tipificando-a de modo expresso, a sociedade politicamente organizada – o Estado -, por seus órgãos próprios, estará impedida de tomar qualquer medida punitiva contra o eventual agente infrator. Isso é uma garantia constitucional, pois o mesmo art. 5° da CF, no inc. XXXIV, também diz que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. É a ratificação do princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, repetido pelo art. 1° do Código Penal Brasileiro, da anterioridade da lei. Como prevenção, para desencorajar os mais afoitos, já não é tempo de tipificar
como crime “atentar contra a democracia”?
Isso vem a propósito dessa nova escola de governantes que utiliza-se de todos os recursos postos a sua disposição e de uma mídia abusiva para fomentar na sociedade um sentimento de adesão às suas ações administrativas, por vezes, atentatórias ao ordenamento jurídico estabelecido. E, o que é mais grave: agem, ao sabor de seus desejos e caprichos, sob o falso argumento da defesa do interesse social. A estes governantes, que centralizam todo o poder de decisão, restringindo-o a um grupo fechado de auxiliares diretos, o “aviso” dado pelo constituinte de 88, não surtiu qualquer efeito. Infelizmente, como tais condutas não foram tipificadas como crimes, estes agentes públicos, apesar de afrontarem à lei e, por conseqüência, à democracia, permanecem impunes.
*Irapuan Diniz Aguiar,
Advogado.