Com o título “São válidas as provas produzidas ‘sem querer’ pelo investigado?”, eis título do artigo do advogado criminalista Leandro Vasques, também presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública do Ceará. Um bom mote para reflexões sobre tantas delações em clima de Lava Jato. Confira:
Quando o Brasil ainda recuperava o fôlego após a revelação dos esquemas de corrupção por executivos da empresa Odebrecht e a sucessão de fatos que minaram a credibilidade das instituições, entrava em cena a figura do magnata da carne Joesley Batista.
Joesley e seu irmão Wesley firmaram um acordo de colaboração premiada que lhes rendeu uma controversa imunidade. Não seriam processados criminalmente pelo Ministério Público se confessassem a prática dos crimes investigados e não omitissem nada acerca de qualquer fato ilícito de que tivessem conhecimento, apresentando todas as provas pertinentes. No entanto, no dia 31 de agosto, entregaram à Procuradoria-Geral da República – não se sabe ao certo se por engano ou propositalmente – um arquivo de áudio contendo informações de possíveis delitos que teriam sido omitidas no acordo firmado antes.
No material, existiriam indícios de fatos criminosos omitidos pelos irmãos Batista quando das tratativas da colaboração premiada, o que seria uma quebra do acordo firmado com o Ministério Público. Por isso, Rodrigo Janot, ainda Procurador-Geral da República, requereu a rescisão do acordo de colaboração. A situação tem sido amplamente divulgada e discutida na imprensa, mas um aspecto ainda merece reflexão: pode alguém ter usado contra si material que foi equivocadamente fornecido às autoridades?
Caso tenha sido uma trapalhada de quem reuniu e entregou o material, a questão suscita um debate interessante, principalmente se levarmos em consideração o princípio da não autoincriminação, pelo qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si. É certo que os irmãos Batista não foram compelidos a entregar aquele arquivo específico ao Ministério Público, mas podem não ter tido a intenção de fazê-lo, o que retira a espontaneidade necessária ao ato.
Comparemos com a situação corriqueira de uma blitz de trânsito. Sabemos que ninguém é obrigado a se submeter ao teste de bafômetro, mas imaginemos a situação absurda de alguém que, sem querer, sopra o equipamento de medição e possibilita a aferição do nível de embriaguez caracterizador do crime de trânsito. Na prática, seria pouco crível, mas igualmente revelaria a falta de intenção do indivíduo de produzir aquela prova, assim como se observa no caso dos irmãos Batista.
Bem, uma constatação é indisfarçável: os bastidores dessa operação têm agitado sobremodo não só o noticiário cotidiano como tem servido de um curioso laboratório de teses jurídicas. Vamos aguardar o próximo capítulo.
*Leandro Vasques
leandrovasques@leandrovasques.com.br
Advogado criminal, mestre em Direito pela UFPE e presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública.