Com o título “Conviver, sofrer e aprender com o Alzheimer”, eis artigo da jornalista e radialista Ian Gomes, que conviveu esse tipo de doença em casa. Ela passa lições da sua experiência. Confira:
Ela parou diante do espelho e disse: “quem é aquela mulher?” Levei na brincadeira e respondi: “está ficando cega, mamãe? É a senhora”. Esse, talvez, tenha sido o primeiro sinal de que algo não estava bem com dona Ambrozina, 67 anos de idade. Com o passar dos dias, outras atitudes complicadas: deixava a comida queimar (era excelente cozinheira; era estranho), tinha alucinações (via animais ferozes), além da teimosia, que se acentuava. A vaidade começou a ficar comprometida (não queria mais tomar banho). Para quem vivia de batom, era algo inaceitável.
O diagnóstico de familiares e pessoas próximas era rápido: é depressão, está ficando louca, quer chamar atenção, é culpa de Fulano… Após alguns exames, a confirmação: sua mãe está com início de Alzheimer. Era o ano de 2000. Pouco se falava no assunto. E agora? Tudo é muito estranho, a pessoa está, mas não está. É difícil conviver, aceitar. Os remédios não trazem de volta a mãe que você sempre teve. Tudo só piorava. Os esquecimentos, a agressividade, a dependência cada vez mais acentuados.
A doença de Alzheimer, como qualquer outra enfermidade, afasta familiares principalmente. É outra guerra a vencer. Afinal, não é fácil ver a desconstrução de alguém que sempre foi sua referência. Qual filho se prepara para ser mãe da mãe? Trocar fraldas, por exemplo? Nesta etapa entra o papel do cuidador. Muitas vezes, outro problema.
Mas Deus coloca anjos em forma de pessoas no caminho. E minha mãe foi premiada. Ela conviveu com a doença durante 17 anos. Os médicos chegaram a admitir que o fato de ter vivido tanto (a média de vida, após o diagnóstico, é de 10 a 12 anos) foi devido a um remédio chamado amor! E esse amor foi alimentado por dona Ieda, a cuidadora que se dedicou durante 13 anos e oito meses, sem arredar o pé. No último ano de sua vida (minha mãe faleceu em março deste ano, aos 84 anos de idade), minha irmã Iraides largou tudo para cuidar da mãe que se tornou sua filha. Um mérito.
O Alzheimer desconstrói a memória do paciente. Mas quem precisa conviver com alguém que tem a doença pode se reconstruir como pessoa. A gente aprende a ser mais tolerante e perceber a fragilidade do existir. Se visto como missão, embora doloroso, é fonte de aprendizado. Pense nisso!
*Ian Gomes
ian.gomes2008@gmail.com
Radialista e jornalista; apresentadora do programa Viver Mais (TVC)
VAMOS NÓS – Convivemos por 10 anos com o Alzheimer, que chegou sem serventia e abateu meu pai, Seu Helio. Ele foi embora, mas ficou aquela saudade que a gente sempre vai gostar de ter.