
Em conto enviado ao Blog, a estudante de Medicina da UFC, Camille Torres, sugere uma reflexão da exploração sexual de crianças e adolescentes em Fortaleza, em uma crítica ao Dia do Sexo. Confira:
Poucos dos meus questionamentos ficavam sem resposta. O mundo aos 7 anos de idade é fascinante. Como poderiam os desenhos ganhar vida dentro de uma caixa na estante da sala? Como pesados aviões dividiam o céu com os pássaros? Por que nossos empregados deixavam de estar em seus próprios lares para cuidar da minha casa, de mim e de minhas irmãs? Para tudo os meus pais tinham resposta. Às vezes ao estilo de contos de fada. Não em relação às caixas mágicas com desenhos, mas sim aos nossos empregados.
Em um início de noite, no entanto, passávamos de carro pela avenida Aquidabã, quando da janela avistei uma jovem com cerca de 14 anos. O trânsito lento do sábado me permitiu observá-la mais detalhadamente. Apesar de bastante jovem, se vestia como gente grande. O fino e longo salto da sandália disfarçava a sua pouca altura. A curta saia jeans só não era mais curta porque uma fina meia preta cobria as suas pernas. A frouxa camiseta permitia que uma das alças escorregasse para o braço, pondo parte do ombro nu. O forte batom vermelho aumentava o tamanho da boca, enquanto a escura pintura nos olhos poderia esconder uma lágrima.
Meio assustada e meio curiosa, perguntei aos meus pais sobre aquela menina sozinha em uma esquina. Eles se entreolharam como se esperassem um do outro a resposta ideal. E nada responderam.
Os anos se passaram e com tristeza descobri o perverso destino daquela garota. Indignação maior é saber que o estereótipo ainda continua naquela esquina.
Como uma criança de 7 anos de idade percebe uma menina em situação de risco e os governantes da quinta capital do país insistem em manter invisíveis dezenas de adolescentes que todos os dias são exploradas sexualmente nas esquinas de Fortaleza?
Um documentário apresentado pela BBC de Londres, em julho de 2010, mostrou que a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil atinge níveis alarmantes e comparáveis aos índices na Tailândia, a perversão na Terra do turismo para fins sexual. Entre as cidades brasileiras mais procuradas para a exploração sexual de crianças e adolescentes está Fortaleza.
As causas da exposição de nossas meninas são conhecidas pelos governantes, que vão desde a publicidade ruim no Exterior ao estado de miséria das famílias na periferia da cidade. As consequências há décadas vagam por hospitais públicos, presídios e pelo sombrio mundo das drogas. As ações de combate são inúmeras, porém, nenhuma com eficiência.
Na verdade, os governantes tratam as meninas vítimas da exploração sexual da mesma forma como elas se expõem: meras mercadorias.
Como todo produto no mercado, há um lado bom e um lado ruim, o bônus e o ônus. Para os governantes, o bônus no turismo sexual está na ocupação de quartos de hotéis, na arrecadação de ICMS e de ISS em restaurantes, lojas, barracas de praia e também no setor de serviços e na economia informal. O ônus aparece no abandono da escola, no pré-natal nos hospitais públicos e na violência urbana.
Como bons comerciantes, os governantes sabem que o bônus eles recebem enquanto governantes. Já o ônus fica para futuros governos, quem dera o caos para adversários políticos.
Uma boa política de combate ao turismo sexual e à exploração de crianças e adolescentes seria os governantes abrirem mão do bônus e somente pagarem o ônus dos governos anteriores. Mas logo assessores e marquetólogos certamente apontarão que governos assim não se sustentam por muito tempo, que um bom governo constrói, não limpa a sujeira de gestões anteriores.
Enquanto isso, Maria, Ana, Rafaela, Júlia, Michele, Taís, Juliana, Sabrina, Rebeca, Mariana, Fernanda, Jéssica, Natália, Marina, Kelly, Carla, Stephany, Jeanne, Patrícia, Amanda, Roberta, Cristiane, Valéria, Karine e Carol seguem aguardando na esquina.