
Em artigo sobre as redes sociais, o professor Ivan Oliveira aponta que os “dados coletados são transformados em informações; estas informações são convertidas em conhecimentos; e o conjunto destes conhecimentos gera uma inteligência computacional impressionante com diversas aplicações sociais, econômicas e corporativas”. Confira:
Hoje mais cedo me levantei e fiz a seguinte provocação na minha timeline do facebook/instagram: “Parabéns! Você está ajudando a treinar os algoritmos de reconhecimento facial por progressão de idade. #10yearschallenge”
Não demorou muito para o “rebuliço” começar com os comentários dos internautas defendendo que o “Desafio dos 10 anos” é somente uma brincadeira inocente e outra metade dos seguidores mostrando suas cismas com esta corrente (lê-se: modinha) de postar nas redes sociais uma foto de 2009 e outra de 2019, lado a lado, destacando as mudanças ao longo desta última década.
Esta confusão foi iniciada por um artigo da Kate O’Neill na Wired, intitulado “Facebook’s ’10 Year Challenge’ Is Just a Harmless Meme”, que levantou suspeita sobre o uso das fotos postadas para a facilitação do treinamento de softwares de reconhecimento facial.
Rapidamente, os especialistas brasileiros foram consultados e os artigos começaram a ser publicados no dia 16/01/2019. Destaco a aqui o artigo “O Desafio dos 10 anos é mesmo uma armadilha?” do Prof. Carlos Affonso (Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ), publicado no Portal da UOL.
É indubitavelmente um texto bem interessante e lúcido, porém carece de algumas observações pertinentes e oportunas para a temática/momento.
Olhando para a foto é somente mais uma modinha das redes sociais, no entanto, observando o filme completo ao longo dos 10 anos destes gigantes dos conteúdos (e.g. Google e Facebook), eles já fazem uso dos nossos dados compartilhados nas mídias sociais e digitais, vide o escândalo do uso de dados do Facebook pela Cambridge Analytica.
Os usuários das redes se assustam com a capacidade da internet conhecer suas preferências através da oferta de produtos e serviços nas navegações pelas aplicações digitais.
Como bem sabemos, os dados coletados nas redes sociais e digitais são transformados em informações; estas informações são convertidas em conhecimentos; e o conjunto destes conhecimentos gera uma inteligência computacional impressionante com diversas aplicações sociais, econômicas e corporativas.
Devemos acreditar inocentemente que os algoritmos destes provedores de conteúdos já estão eficientemente treinados?
Não, eles podem até estar treinados para desempenhar algumas tarefas de identificação automática, como é o caso do reconhecimento facial nas fotos do facebook; mas estas ações de marcação voluntária do tempo pelos próprios usuários ajudam a calibrar os algoritmos com a associação fidedigna de fotos versus datas.
Muitas vezes os sistemas são alimentados com dados imprecisos, pois as postagens dos usuários não seguem uma cronologia necessariamente correta. Daí, para modelos supervisionados de aprendizagem, este tipo de calibração é ótimo para aumentar a robustez destes sistemas de computação usados para o reconhecimento facial por progressão de idade.
Alguns sustentam a tese das nossas fotos já estarem organizadas e fáceis de ser encontradas na internet, por exemplo, no Google Fotos (https://photos.google.com) no qual suas fotos estão organizadas e podem ser pesquisadas de acordo com os lugares, os tempos e dentre outros parâmetros.
Esta assertiva é verdadeira para parte dos usuários da internet. Eu, Prof. Ivan Oliveira, fiel e assíduo usuário dos serviços do Google, só tenho três fotos neste supracitado serviço e furaria a veracidade desta afirmação.
É importante ressaltar que existe um exército de internautas que não estão mapeados pelos serviços destes gigantes da internet e estas ações em massa ajudam a aperfeiçoar suas bases de dados.
É, ciberamig@s, com ou sem participação nestas correntes, todos estão sob o olho mágico das gigantes dos conteúdos.
Outra questão importante é a existência de filtros nas fotos que dificultam os sistemas de reconhecimento facial na atualidade, por isso a inserção de dados voluntariamente com marcação de tempo ajuda a tornar o processo de aprendizagem mais eficiente, apesar de já extremamente robusto. Fico sempre desconfiado com estas ações que são bem legais e viralizam com uma velocidade incrível.
Não podemos deixar de destacar alguns aspectos positivos e negativos sobre o treinamento destes algoritmos de reconhecimento facial por progressão de idade. As aplicações benéficas à sociedade são, por exemplo: (i) aplicação de reconhecimento facial para encontrar crianças desaparecidas e (ii) aumento da segurança das cidades com a identificação de criminosos e compartilhamentos/integração de bancos de dados; porém, existem aplicações desfavoráveis à cidadania, por exemplo: (i) seus dados poderiam ser vendidos para empresas de seguros e planos de saúde com a identificação de envelhecimento precoce e outras patologias identificáveis por técnicas de reconhecimento padrão (e.g. câncer de pele) e (ii) abertura para a invasão da privacidade dos cidadãos com a violação de suas preferências compartilhadas com terceiros.
Sem dúvidas, é um tema bem interessante, que muitas vezes passa invisível na timeline, e encontram-se diversas aplicações das invasões de privacidade aos sistemas de governança das cidades.
Não podemos demonizar a tecnologia ou reforçar o discurso do cumprimento de uma profecia apocalíptica, pois existe um potencial dos algoritmos de reconhecimento facial para fazer o bem, por exemplo, no ano passado, 2018, foram encontradas cerca de 3.000 crianças desaparecidas, em apenas quatro dias em Nova Deli, na Índia, por meio do rastreamento feito através de um novo sistema usando estas técnicas de reconhecimento facial.
Cumpre destacar a importância desta polêmica em pautar as questões da privacidade na internet, sobretudo pela existência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que entrou em vigor no ano passado e finalmente fará (em tese) o Brasil ter uma legislação específica para proteger as informações dos cidadãos.
Por esta razão, é preciso que os internautas tenham um letramento digital mínimo para uma navegação segura nos tenebrosos oceanos digitais.
Ivan Oliveira
Professor-Doutor