
“Era manhã de uma quinta-feira ensolarada. Um carro popular se posiciona em frente ao condomínio e o porteiro libera a passagem. Não precisa nem buzinar, basta esperar alguns segundos para ter acesso. O veículo poderia seguir adiante, mas o motorista decide dar a ré e estacionar do lado de fora. O porteiro acompanha tudo e, para sua surpresa, não se trata de um condômino. É a equipe de reportagem do O POVO fazendo um teste e constatando como é fácil ter acesso aos prédios da Capital. Afinal, poderia ser qualquer um no volante, bem intencionado ou não.
Durante um dia, eu e a fotógrafa Iana Soares percorremos em um Fiat Uno, modelo antigo, os bairros de Fátima, Benfica, Aldeota, Joaquim Távora, Meireles e Jacarecanga. O objetivo era avaliar o grau de dificuldade no acesso às garagens dos condomínios residenciais, de diferentes classes sociais. Em todas as seis tentativas, os portões se abriram. A fragilidade no controle veicular dos prédios foi visível e as justificativas dos porteiros foram bem variadas.
No Benfica, o condomínio escolhido possui duas entradas para veículos, em ruas diferentes. Bastou encostar o carro na frente de um dos portões para ele se abrir. Segundo o próprio porteiro, o prédio é comumente usado por estranhos que querem cortar caminho e fugir do congestionamento. “Acaba sendo difícil reconhecer todos os veículos do prédio. Tem gente que está sempre trocando de carro e não avisa. A gente quer manter a ordem, mas é difícil”, reconhece. O ideal seria que cada prédio tivesse uma lista com o número da placa, modelo e cor dos carros dos condôminos. “Não sei se tem essa lista. Vai só na experiência mesmo”, completa.
No bairro de Fátima, a placa indicando o acesso exclusivo de veículos do condomínio é ignorada há anos. Mesmo assim, segundo o porteiro, nunca foi registrado assalto. O carro da reportagem estava se aproximando quando o portão começou a abrir. “Já virou mania deixar qualquer carro entrar. Quando a gente barra, sempre leva reclamação dos próprios moradores. O condomínio tem muito espaço para estacionar e acaba sempre entrando um ou outro”, comenta o porteiro.
Mais adiante, no Joaquim Távora, dois leves toques na buzina fizeram o porteiro atender ao sinal. “Pensei que fosse uma moradora. Ela se parece com você e saiu de manhã cedo”, tenta justificar o engano. Na Aldeota, foi o acúmulo de tarefas que deixou o porteiro mais relaxado com a entrada de veículos. “Eu sou sempre tão atencioso… Não acredito que não passei nesse teste. É porque estava de cabeça baixa varrendo a calçada”, diz envergonhado.
Prédio de luxo
No Meireles, o luxuoso prédio de vidros espelhados e muro alto também revela sua deficiência. Na dúvida se o carro parado na entrada era ou não de um morador, o porteiro optou por abrir o portão. “Estou nos primeiros dias de trabalho. Até estranhei o carro, mas como insistiu, acabei liberando”, diz o recém-contratado, que não passou por nenhum treinamento antes de assumir o cargo.
No último teste, não houve dificuldade em conseguir acesso ao condomínio de poucas vagas de estacionamento. Diante da rua sempre movimentada no Jacarecanga, o porteiro se apressa em liberar a entrada para evitar o congestionamento. “Tinha um carro atrás do seu que era do condomínio. Por isso liberei”, despista.
O POVO tentou contato com o Sindicato dos Porteiros do Ceará, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
(O POVO)