Em artigo enviado ao Blog, o advogado eleitoral Fernandes Neto diz que “não é desconhecido que o STF se arvora constantemente em questões próprias do Poder Legislativo, em inegável ativismo político”. Confira:
Durante o processo de apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados – CCJ, acerca da admissibilidade da Denúncia Criminal movida pelo Procurador Geral da República, Dr. Rodrigo Janot, contra o Presidente Michel Temer (PMDB), por crime de corrupção passiva, baseada na delação da JBS, que envolve o Deputado Rocha Loures, nos deparamos com uma situação, no mínimo, inusitada para grande parte da sociedade: a substituição dos atores ao longo do drama, ou seja, a alteração dos membros da CCJ, pelas lideranças partidárias, durante a análise do processo.
De fato, houve 25 intervenções partidárias, com 14 alterações dos membros titulares da CCJ, por inegável interferência do Poder Executivo no processo legislativo, as quais contribuíram decisivamente para desaprovação do Parecer do Relator Sergio Zveiter (PMDB-RJ), que se pronunciou pela admissibilidade da Denúncia-Crime, sendo aprovado o Parecer alternativo do Deputado Paulo Abi-Ackel do PSDB-MG, que opinava pela inadmissibilidade.
Apesar das duras críticas da mídia às alterações partidárias dos membros da CCJ, havia sempre presente a ressalva de que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados permitia a manobra legislativa, pois o art. 10, inciso VI determinava ser prerrogativa do líder partidário “indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los”.
Disseram os analistas políticos: “é legal, mas não é moral e ético”.
O STF indeferiu liminarmente as tentativas do questionamento das substituições partidárias, no caso os Mandados de Segurança (MS 35006) dos Deputados Federais Carlos Zarattini (PT-SP) e Marco Maia (PT-RS), e o (MS 35008) do Senador Randolph Rodrigues Alves (Rede-AP) e dos Deputados Federais Alessandro Molon (Rede-RJ), Sérgio Olímpio Gomes (SD-SP), Aliel Machado (Rede-PR), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Júlio Delgado (PSB-MG), ambos pedindo a anulação das substituições ocorridas no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, desde a comunicação da denúncia à Câmara Deputados. O argumento utilizado pela Min. Carmen Lucia, para o indeferimento dos Mandados de Segurança, foi o mesmo, ou seja, a impossibilidade do STF interferir em questões internas da Câmara.
Não é desconhecido que o STF se arvora constantemente em questões próprias do Poder Legislativo, em inegável ativismo político, como nos casos de filiação partidária (ADIs 3999 e 4086), financiamento privado de campanha por pessoas jurídicas (ADI 4650/DF) e até no rito processual do impeachment (ADPF 378) .
A questão que se apresenta é se a moral está ainda à margem do direito, do que é legal? Se manobras legislativas dessa natureza devem ser encaradas pela Justiça como mero cumprimento de uma regra regimental, além dos valores e princípios firmados constitucionalmente?
Certamente se a alteração dos deputados na CCJ fosse realizada ordinariamente, alheia à precedência de um processo inusitado de autorização legislativa para abertura de Processo Criminal contra o Presidente da República, não causaria maiores indagações. Ocorre que a realidade não se deu assim. De fato, foram substituídos os deputados favoráveis ao processamento da denúncia criminal, alterando o resultado da votação, mediante interferência direta do Presidente da Republica.
Na verdade, foram escolhidos juízes em razão do prévio conhecimento de suas posições. Como bem disse o Deputado Zveiter, após a derrota de seu parecer: “Imaginem se, em qualquer tribunal, iniciado o andamento do processo, possa ser feita a troca dos integrantes da Câmara ou da turma julgadora deliberadamente sabendo qual é o voto que eles vão proferir. Então, no meu entendimento, em princípio, essa troca não poderia ser feita”.
E esse procedimento não é moral, ético e muito menos legal. O Judiciário, especialmente o STF, já há muito abandou a função la bouche de la loi, na expressão de Montesquieu. E o fez, quando achou conveniente, em juízo arbitrário de oportunidade. Ao julgador cabe a interpretação da lei, segundo a moral e ética ( no sentido amplo que se identificam) do caso concreto, pois segundo ensina Eros Graus “os enunciados, os textos , nada dizem: eles dizem o que os interpretes dizem que eles dizem”.
Os princípios positivados constitucionalmente são expressões dos valores morais e éticos, e devem ser aplicados, no caso concreto, em razão do regramento inválido por sua evidente injustiça (Dworkin), especialmente pela circunstância peculiar aplicada ao caso, tanto pela questão temporal (alteração dos membros da CCJ após o protocolo da denúncia na Câmara dos Deputados), como em razão da manifestação ideológica (de opinião dos membros), que ali exercem função de verdadeiro julgador, ato alheio à questão partidária.
Houve, inegavelmente, violação ao Princípio da Autonomia e Separação dos Poderes (art. 2º e 51 da C. Federal) e ao Princípio do Juiz Natural (art. 5. XXXVII da C. Federal), além de grave ofensa aos Princípios Democrático, da Moralidade e Probidade, imbricados em nossa Constituição principiológica. O ativismo do STF deveria também prevalecer, assim como na anulação da nomeação do Ex-Presidente Lula, como Ministro de Dilma, pois apesar de ato discricionário e autorizado por lei, restou anulado por “desvio de finalidade” ( MSs 34070 E 30071 ).
Socialmente, o Judiciário prestou um desserviço ao povo brasileiro, ao retroceder as origens positivistas Kelsenianas, convenientemente, separando os valores morais e éticos do direito, atuando estritamente como “juiz boca de lei”.