Com o título “Quando a paixão atrapalha”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda a política que vira paixão e acaba perdendo, por conta disso, vez em quando, a razão. Confira:
Hegel, que recentemente tornou-se um exemplo de viral nas redes sociais após ter sido citado por engano, devido à ignorância de um procurador paulista, que o confundiu com Engels, no afã de representar contra o ex-presidente Lula, dizia que “nada existe de grandioso sem paixão”. A frase, de efeito, soa quase como um apelo definitivo à vontade aliada ao prazer.
Sem dúvida, desenvolver qualquer coisa, em qualquer área, a partir do que se gosta é muito mais fácil e dá à tarefa mais espinhosa uma aura de vitória. A paixão, sem dúvida, nos convida a superar limites. Porém, “superar limites” não pode ser visto apenas pelo viés positivo. A paixão nos faz romper linhas dantes aparentemente intransponíveis, é verdade, mas são obstáculos que talvez, ao cair, impliquem no comprometimento da ética, do respeito, da paz e da lei. Só para citar alguns.
Tenho que confessar que a paixão na política carrega uma dubiedade que me perturba. Por muitos anos considerei o fogo da paixão pela política um componente essencial para tornar realidade o que pairava nas mentes como uma simples meta idealista. Hoje percebo que se deixar levar somente pela força do componente ideológico pode ser extremamente prejudicial para o desenvolvimento das relações políticas.
Longe de mim achar que é necessário abrir mão de nossas convicções. Não se trata disso. Mas hoje acredito ser muito mais produtivo na política o resultado de uma negociação, por exemplo. Em outras palavras, valorizo com mais vigor a arte de se resolver um conflito de forma que as partes abram mão de algo para se chegar a um consenso.
O momento vivido pelo Brasil hoje implica discussões acaloradas, violências gratuitas, destemperos verbais, rompimentos pessoais e exploração de intimidades. Não vejo em que isso possa contribuir para uma elevação do nível do debate democrático e – o que é pior – qual resultado prático, que beneficie a população, que possa daí surgir.
A falta de frieza e racionalidade na política, no atual imbróglio envolvendo o impeachment, está comprometendo uma possível saída virtuosa de um processo tão complexo. A administração de um estado exige a confirmação de apartações que foram extremamente benéficas para a consolidação das democracias modernas. A sociedade evoluiu quando a política alcançou a separação entre religião e estado, poderes militar e civil, patriarcalismo e burocracia impessoal.
Repare que o refúgio das paixões recai, evidentemente, sobre as dimensões subjetivas. À parte a importância das visões de mundo, a objetividade funcional é o que faz a máquina do estado continuar andando apesar das mudanças de governo.
Fazer política com o fígado dificulta a vida de quem está no comando e, o que é pior, muitas vezes, lança a população em imbróglios desnecessários. No campo pessoal, acompanhei ao vivo e pelas redes sociais gente misturando fé, ideologia de mesa de bar, golpe militar, conselho de mãe e uma infinidade de superficialidades oriundas do senso comum com conceitos ideológicos, avaliações conjunturais, recortes macroeconômicos e até interpretações jurídicas. Fica difícil um consenso.
Tanto menos ódio teremos uns pelos outros se soubermos separar os assuntos e aprofundar os conceitos. E perceber que a esfera pessoal, dos afetos e amizades, não deveriam ser postos para cozinhar na mesma panela – só pra usar uma palavra da moda – da economia e a política.
*Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo
demetriofarias@gmail.com