Com o título “País de ressentidos”, eis artigo da jornalista Regina Ribeiro, que pode ser conferido no O POVO desta sexta-feira.
A crise brasileira põe no bolso os piores indicadores econômicos que pairam sobre nossas cabeças. E já deu para perceber que a coisa há muito extrapolou as beiradas do ambiente virtual e deixou de ser apenas a guerra de posts sem-noção no Facebook, reproduzidos em escala – em parte – por um magote de gente que pensa com a cabeça dos dedos.
Embora reconheça a complexidade do momento, a notícia da médica que deixou de atender o bebê de uma petista me deixou perplexa. Isso porque, na semana passada, visitei um dos médicos que me atendem há anos. No meio da checagem de uma ressonância e o retorno de que estava tudo bem, a política entrou na conversa como se estivesse à toa, entre a mesa que nos separava. Daí, me contou, rindo, que esteve na manifestação do “outro lado”, dia 13 último. “Fui lá porque estou meio cansado dessa confusão toda, mas lamentei o fato de não ver ninguém ali com perfil de ‘povo’”.
Conheci esse médico em 2006, após fraturar o braço num acidente caseiro. Foi ele quem me atendeu e, de lá para cá, me acompanha nas questões ortopédicas. Ao longo de 10 anos, já conversamos um bocado sobre política, e ele sabe o que eu penso nessa área. Sempre fiz críticas ao modo como parte do PT ancorou-se nas práticas nefastas quanto ao patrimônio público; sei que o governo Dilma fez muita bobagem na economia e tenho certeza de que prometeu o que não ia entregar na última campanha. Mas ele sabe também que sou contra, de forma consciente, ao movimento político de tirar a presidente do Planalto, na marra.
Para se chegar ao que estamos vivendo agora, o Brasil, em pouquíssimo tempo, se tornou uma nação legalista farisaica. Antes disso, o Congresso, com a ajuda do PSDB e do PMDB, preparou a guarnição da derrocada econômica que estamos saboreando juntos. O que mais incomoda, porém, é essa inquisição política que açoda os ânimos e me faz pensar o quanto estamos nos tornando num país de ressentidos e magoados.
Ao fim da consulta, o médico se levantou para me levar à porta e se despedir. Ficamos ali, conversando um pouco mais sobre o estado geral das coisas. Cada um defendendo um fim de crise diferente. Ontem, fiquei pensando na médica que não quis atender uma criança que sequer emite opinião.
*Regina Ribeiro
reginah_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista do O POVO